Misofonia: Quando Sons Comuns se Tornam Gatilhos de Raiva e Ansiedade
Conheça o transtorno neurológico que transforma ruídos cotidianos em verdadeiros tormentos emocionais e o que pode ser feito para amenizar seus efeitos
Imagine não conseguir se concentrar em uma conversa porque alguém ao lado está mastigando. Ou sentir uma irritação crescente, quase incontrolável, ao ouvir o clique repetido de uma caneta. Para muitos, isso pode parecer exagero ou “frescura”, mas para quem sofre de misofonia, essas reações são reais, intensas e muitas vezes debilitantes. A condição, ainda pouco conhecida, é um transtorno neurológico que afeta a forma como o cérebro responde a certos sons especialmente aqueles produzidos por outras pessoas em situações rotineiras. Neste artigo, vamos explorar o que é a misofonia, como ela afeta a vida dos indivíduos, suas possíveis causas e quais tratamentos existem atualmente.
O Que É a Misofonia? Um Transtorno Auditivo-Emocional Ainda Pouco Compreendido
A palavra “misofonia” vem do grego e significa literalmente “ódio ao som”. No entanto, quem convive com o transtorno não sente raiva de todos os sons, apenas de estímulos auditivos específicos, geralmente suaves, repetitivos e produzidos por outras pessoas. Entre os gatilhos mais comuns estão:
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Mastigação ou deglutição
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Respiração pesada
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Estalos com a boca ou língua
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Clics de caneta
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Fungadas
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Digitação no teclado
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Estalidos de saliva
Esses ruídos podem desencadear reações intensas e imediatas, como ansiedade, raiva, repulsa e irritação extrema. Em muitos casos, as emoções surgem de forma automática, desproporcional ao estímulo, tornando a convivência social e familiar um verdadeiro desafio.
A misofonia costuma surgir ainda na infância ou adolescência, e embora possa persistir por toda a vida, sua intensidade varia com o tempo. Pessoas afetadas muitas vezes tentam evitar situações que envolvam sons gatilho, o que pode levar a isolamento social, conflitos interpessoais e até sintomas depressivos.
Causas Possíveis: O Que Diz a Ciência?
Apesar de ainda não haver um consenso absoluto sobre as causas da misofonia, estudos recentes sugerem que o transtorno está ligado a uma hiperatividade nas conexões entre o sistema límbico — área do cérebro responsável pelas emoções — e o córtex auditivo, que processa os sons.
Em um estudo publicado na revista científica Current Biology, pesquisadores observaram que os cérebros de pessoas com misofonia apresentam reações anormais em regiões como a amígdala e o córtex insular anterior, que estão ligados ao processamento de emoções e à detecção de estímulos sensoriais.
Outras teorias apontam fatores genéticos ou experiências traumáticas associadas a determinados sons como possíveis influências. A condição, por sua subjetividade e variabilidade entre indivíduos, é frequentemente confundida com hiperacusia (hipersensibilidade a sons em geral) ou transtornos de ansiedade, embora seja distinta de ambos.
Impactos na Vida Pessoal e Social
A misofonia pode afetar profundamente a qualidade de vida de uma pessoa. Imagine sentir raiva irracional apenas por ouvir alguém comer ao seu lado — em casa, no trabalho, em um restaurante ou no transporte público. A convivência torna-se difícil, e a tendência é evitar certos ambientes ou até romper vínculos sociais e familiares para fugir dos sons gatilho.
Alguns relatos apontam para comportamentos extremos, como:
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Mudança de local de trabalho ou recusa em participar de reuniões
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Evitar refeições com a família
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Usar fones de ouvido constantemente, mesmo em ambientes sociais
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Episódios de explosão emocional ou agressividade verbal
Essa luta constante para controlar as emoções pode levar ao estresse crônico, ansiedade generalizada e até depressão. Em casos mais graves, a misofonia compromete o desempenho acadêmico ou profissional, prejudicando também a autoestima e o senso de pertencimento social.
Tratamento: Como Controlar a Misofonia?
Atualmente, não existe cura definitiva para a misofonia, mas há formas eficazes de manejar os sintomas e melhorar a qualidade de vida. Os principais métodos incluem:
1. Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC):
A TCC é uma das abordagens mais recomendadas. Ela ajuda o paciente a identificar e ressignificar os gatilhos emocionais, além de desenvolver estratégias de enfrentamento, como técnicas de respiração, relaxamento muscular e mudança de foco.
2. Treinamento de Reestruturação Auditiva:
Técnicas que envolvem reeducação do sistema auditivo, como a Terapia de Habituação de Tinnitus (usada para zumbido), podem auxiliar no processo de dessensibilização aos sons incômodos.
3. Fones com Sons Ambientais:
O uso de fones com ruído branco ou sons calmantes pode mascarar os gatilhos e tornar ambientes potencialmente problemáticos mais toleráveis.
4. Apoio Psicológico e Psiquiátrico:
Em casos de misofonia grave, com impacto severo na vida cotidiana, o acompanhamento com psicólogos ou psiquiatras pode incluir o uso de medicações para controle da ansiedade, sempre com prescrição médica.
Conclusão:
A misofonia ainda é pouco reconhecida por muitos profissionais da saúde e pela sociedade em geral. Infelizmente, essa falta de informação faz com que muitos pacientes sejam rotulados como exagerados, mal-humorados ou antissociais, agravando o sofrimento emocional e retardando o diagnóstico.
Mas é preciso entender: a misofonia é real, afeta profundamente o bem-estar e merece ser tratada com empatia e atenção. Promover o conhecimento sobre o transtorno é o primeiro passo para acolher quem convive com ele e para estimular o desenvolvimento de pesquisas e terapias mais eficazes.
Se você ou alguém que conhece sofre com reações intensas a sons específicos, não hesite em buscar ajuda profissional. O cérebro humano é complexo e, como Oliver nos mostrou com suas “mãos felinas”, a diversidade que ele abriga também pode ser surpreendente. E merece compreensão.