Cotidiano

A falência da Oi: Fim de uma era das telecomunicações no Brasil

Após quase dez anos de recuperação judicial, o Grupo Oi teve sua falência decretada pela Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), com dívidas estimadas em cerca de R$ 1,7 bilhão, e medidas foram adotadas para garantir a continuidade dos serviços essenciais de telecomunicação.

A decisão judicial que decretou a falência da Oi nesta segunda-feira (10 de novembro de 2025) marca o encerramento de um ciclo corporativo turbulento, uma das recuperações judiciais mais longas da história recente do Brasil. A Oi, outrora uma das gigantes das telecomunicações brasileiras, acumulou um passivo expressivo e teve sua viabilidade econômica declarada insustentável pela Justiça.

O decreto não significa, porém, o apagamento imediato da empresa: há um processo de liquidação ordenada, com intervenções judiciais e um esforço para garantir que os milhões de usuários e a infraestrutura crítica de telecomunicações do país não fiquem sem atendimento. Esse caso traz à tona questões profundas sobre regulação, concessões, governança corporativa, endividamento estratégico, e o papel das empresas de telecomunicações num cenário de infraestrutura nacional.

Nos tópicos a seguir, iremos explorar o histórico da Oi, os motivos que levaram à falência, o impacto para credores, clientes e para o setor, bem como as implicações regulatórias e de política pública dessa decisão, e por fim os desdobramentos possíveis e sugestões para expansão do tema.

Justiça decreta falência da Oi, mas permite manutenção provisória

1. Histórico da Oi e sua trajetória de crise

Justiça decreta falência da operadora Oi

1.1 Fundos da empresa, fusões e crescimento

A Oi, empresa que reunia operações de telecomunicações no Brasil, teve origens que remontam à fusion entre a antiga Telemar e a Portugal Telecom, bem como à atuação da própria Oi como grupo nacional. Em meados da década de 2010, a empresa procurou consolidar seu papel no mercado brasileiro de telefonia fixa, móvel, banda larga e TV por assinatura.

1.2 O primeiro pedido de recuperação judicial (2016)

Em meio à escalada de dívidas e à crise de liquidez, a Oi entrou com pedido de recuperação judicial em 2016, com dívidas da ordem de dezenas de bilhões de reais. Esse movimento apontava para uma necessidade de reestruturação profunda: o negócio de telecomunicações exige grandes investimentos, e a combinação de concorrência, saturação de mercados e investimentos elevados gerou pressão sobre a empresa.

1.3 Desinvestimentos, vendas de ativos e nova recuperação (2023)

Nos anos seguintes, a Oi vendeu ativos importantes — como operações móveis, fibra, participações — em esforço para reduzir dívida e realinhar seu negócio. Mesmo assim, em 2023 entrou com novo pedido de recuperação judicial, com dívidas estimadas em R$ 44,3 bilhões segundo levantamento da Wikipédia.  Essas operações de venda foram acompanhadas por críticas sobre diluição patrimonial e perda de ativos fundamentais para o core business da empresa.

1.4 A penúltima fase: esvaziamento patrimonial e insolvência técnica

Na decisão que decretou a falência, a juíza da 7ª Vara Empresarial do TJ-RJ afirmou que a Oi encontrava-se em “liquidação substancial” — ou seja, que boa parte de seus ativos havia sido alienada ou comprometida, o patrimônio estava praticamente esvaziado e a receita mensal estimada em cerca de R$ 200 milhões era insuficiente para fazer frente ao passivo.  O aumento da dívida com fornecedores que não integravam o processo de recuperação chega a R$ 1,7 bilhão em outubro de 2025.

2. A falência decretada: o que significa e quais foram os fundamentos

2.1 A decisão judicial

A 7ª Vara Empresarial do TJ-RJ, em despacho assinado pela juíza Simone Gastesi Chevrand, determinou a convolação do processo de recuperação judicial em falência da companhia.  Na sentença, foram apontados como motivos principais: a incapacidade de cumprir obrigações concursais e extraconcursais, o esvaziamento patrimonial, a receita insuficiente e a impossibilidade de recuperar a viabilidade econômica da empresa.

2.2 Dados financeiros e patrimoniais

A dívida estimada em cerca de R$ 1,7 bilhão refere-se àquelas obrigações não integradas ao plano de recuperação, especialmente dívidas com fornecedores. A juíza apontou que a receita mensal de aproximadamente R$ 200 milhões era insuficiente para fazer frente aos compromissos e ao passivo. Além disso, o patrimônio da empresa “esvaziado” era citado como obstáculo à alienação e ao cumprimento dos compromissos.

2.3 Consequências imediatas

Com a falência decretada, todas as execuções e ações contra a empresa foram suspensas, e foi determinado o bloqueio de determinados bens e valores — por exemplo, recursos vinculados à empresa de infraestrutura V.tal, controlada pelo BTG Pactual, que era parceira da Oi. Foi nomeado o escritório Preserva‑Ação como administrador judicial da massa falida.

2.4 Garantia de continuidade dos serviços

Para evitar prejuízos à população e à infraestrutura de telecomunicações, a decisão prevê que os serviços da Oi continuem provisoriamente a operar — ainda que sob gestão judicial — até que a migração ou transferência dos clientes e das operações para outras empresas seja organizada. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) também participa desse monitoramento.

3. Impactos para os diferentes atores

Recuperação judicial da Oi afeta mais de 2,2 mil micro e pequenas empresas | Agência Brasil

3.1 Clientes e usuários finais

Para os milhões de usuários da Oi — em banda larga, telefonia fixa e móvel, TV por assinatura — a principal preocupação é a continuidade dos serviços. A falência da empresa poderia implicar interrupções, falta de atendimento ou migração forçada para outras operadoras. A garantia jurídica de continuidade dos serviços é uma medida essencial para mitigar esse risco.

Por outro lado, há incertezas quanto à qualidade, manutenção de contratos existentes, garantias de direitos do consumidor e possíveis condicionantes até que a nova configuração dos serviços seja definida.

3.2 Empregados e colaboradores

A falência pode também implicar demissões, descontinuação ou reestruturação de unidades de negócios e fechamento de filiais ou centros de atendimento. Grande parte da força de trabalho da Oi pode estar sujeita a contingências trabalhistas ou reorganizações. Além disso, para os contratos em recuperação ou na massa falida, credores trabalhistas ocupam posição privilegiada, mas há sempre o risco de atrasos ou parcelamentos.

3.3 Credores — fornecedores, bancos, investidores

Para fornecedores, bancos, fundos de investimento e demais credores da Oi, a falência representa tanto o término de uma longa espera de recuperação quanto uma nova fase na qual será preciso renegociar ou buscar pagamento via liquidação de ativos. O processo de falência implica que o comitê de credores seja formado, haja apuração dos ativos e configuração de prioridade no pagamento.

3.4 Acionistas e mercado de capitais

A Oi era listada na bolsa (B3) e a falência registra implicações para acionistas: queda do valor das ações, suspensão ou cancelamento de negociações, e incerteza sobre eventuais recuperações de valor. A diluição patrimonial e o fato de a empresa ter alienado muitos de seus ativos principais implicam que o valor residual para os acionistas seja muito reduzido.

3.5 Setor de telecomunicações e regulação

Para o setor como um todo, a falência da Oi representa um sinal de alerta: uma grande empresa de telecom viu sua viabilidade comprometida após anos de crise, o que abre questionamentos sobre regulação, modelo de concessão, investimento em infraestrutura, competição no mercado, e sustentabilidade de empresas de telecom em ambientes de alta concorrência e baixo crescimento. Além disso, órgãos reguladores como a Anatel terão papel decisivo para garantir transição de serviços, continuidade e possíveis aquisições de ativos.

4. Lições, causas profundas e análise crítica

4.1 Endividamento excessivo e modelo de negócio fragilizado

Um dos fatores centrais no colapso da Oi foi o elevado nível de dívida, que comprometia a partir de 2016 a sustentabilidade da empresa. A necessidade de investir em infraestrutura (fibra óptica, rede móvel 4G/5G), reduzir custos, e competir com grandes players exigia recursos elevados, o que afetou o plano de recuperação. A venda de ativos foi uma estratégia, mas também reduziu a base operacional da empresa.

4.2 Governança, fusões e aquisições controversas

A fusão com a Portugal Telecom, as reestruturações e reorganizações corporativas tornaram a empresa complexa e com desafios de integração. A diluição de ativos e eventual “esvaziamento patrimonial” citado pela Justiça podem indicar falhas de governança ou decisões que comprometeram a solidez da empresa.

4.3 Ambiente competitivo e pressão regulatória

O setor de telecomunicações no Brasil é altamente competitivo, com operadoras móveis, de fibra, satélite, além de operadoras regionais. Isso pressionou margens e investimentos. Adicionalmente, obrigações regulatórias, concessões, obrigações de serviço universal e de infraestrutura aumentam o custo para as empresas. A Oi também foi afetada por esse conjunto de desafios.

4.4 Estrutura de recuperações judiciais e limitação do plano

Embora a Oi tenha entrado em recuperação judicial há muitos anos, o fato de não conseguir restabelecer a viabilidade econômica mostra que um plano de recuperação, sozinho, não era suficiente sem reviravolta operacional ou nova injeção de capital. A Justiça citou que a empresa já estava em fase de liquidação substancial antes da falência.

4.5 Papel do Estado, regulação e infraestrutura crítica

A decisão da Justiça citou que houve omissão do governo federal na condução da crise da Oi. Uma empresa de telecomunicações desse porte, que prestava serviços essenciais (incluindo em milhares de cidades) e contratos com órgãos públicos, requer monitoramento regulatório e governamental mais forte em momento de crise.

5. O processo de liquidação e os próximos passos

5.1 Convolação da recuperação em falência

A falência significa que o processo de recuperação judicial foi convertido em liquidação. A massa falida será gerida por um administrador judicial, que terá a missão de mapear os ativos, negociar com credores, realizar alienações e maximizar valores para pagamento. A Justiça estipulou que a alienação dos ativos da Oi deve ser feita de forma ordenada.

5.2 Continuidade temporária dos serviços

Para evitar a interrupção de serviços essenciais (telefonia, internet, atendimento de emergência, etc.), os serviços da Oi continuarão funcionando provisoriamente até que a migração para outras operadoras ou nova configuração operacional esteja concluída. A Anatel terá papel de supervisão. Essa é uma medida de proteção ao usuário e à infraestrutura nacional.

5.3 Alienação de ativos e pagamento de credores

Os ativos da Oi — redes de fibra, infraestrutura, contratos, imóveis, participações — serão avaliados, possivelmente vendidos ou transferidos. O valor arrecadado servirá para pagamento dos credores segundo ordem de prioridade: credores trabalhistas, credores extraconcursais, credores concursais etc., conforme a legislação falimentar.

5.4 Riscos e desafios no processo

  • A alienação de ativos em crise tende a ocorrer por valores menores do que em momentos normais, o que pode reduzir o montante disponível para credores.

  • A migração de clientes e serviços pode enfrentar obstáculos operacionais, tecnológicos e regulatórios, o que pode gerar prejuízos para qualidade de serviço ou até interrupções temporárias.

  • O patrimônio esvaziado da empresa — conforme apontado pela Justiça — pode limitar a captação de valor na liquidação.

  • A operação de infraestrutura crítica sob gestão de massa falida demanda governança rigorosa para garantir segurança, privacidade e continuidade dos serviços.

6. Implicações para o setor de telecomunicações brasileiro

6.1 Consolidação de mercado e competição

A falência da Oi pode acelerar processos de consolidação no setor: operadoras maiores podem adquirir contratos, infraestrutura ou assumir clientes. Isso pode reduzir o número de competidores, o que tem implicações para preços, qualidade de serviço e inovação.

6.2 Regulação e supervisão reforçadas

Este caso demonstra que as empresas de telecomunicações, pela natureza de serviço público e infraestrutura, requerem acompanhamento regulatório mais rigoroso. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) terá que articular a transição, assegurar que as obrigações de cobertura sejam cumpridas e que a falência não gere descontinuidade de serviços.

6.3 Infraestrutura digital e conectividade

A Oi era responsável por parte importante da infraestrutura de telecom no Brasil, incluindo atendimento em regiões mais remotas. A falência traz risco para a continuidade de expansão de rede, especialmente de fibra óptica e 5G. A transferência de responsabilidade para outras operadoras ou para novos modelos de negócio será crucial.

6.4 Exposição para credores e investidores

O mercado de crédito, títulos de dívida, fundos de investimento que integravam o capital da Oi ou eram credores, enfrentam perdas e reorganização. Isso cria um efeito de confiança e pode impactar a disposição para financiamento em telecom no Brasil no médio prazo.

6.5 Impactos para consumidores

Se a migração for bem conduzida, pode haver até benefícios — como maior investimento em rede, oferta mais competitiva. Mas se mal conduzida, corre-se o risco de interrupções, aumento de tarifas ou queda de qualidade, especialmente para usuários em áreas menos atendidas.

A falência da Oi representa um marco significativo para o setor de telecomunicações brasileiro. Mais do que o fim de uma empresa, é o desfecho de um ciclo de reestruturações, dívidas e desafios de competitividade num ambiente regulado e de infraestrutura estratégica. A decisão da Justiça do Rio de Janeiro reconheceu não apenas a incapacidade financeira da empresa, mas o esvaziamento patrimonial, a perda de viabilidade e a necessidade de proteção dos serviços essenciais prestados à população.

O impacto será amplo: para clientes, reguladores, credores, trabalhadores e para o próprio setor de telecom — que agora precisa absorver a vacância deixada por um grande player e garantir que a conectividade e expansão digital no país não sejam comprometidas.

O futuro dirá como essa transição será conduzida, se haverá perdas significativas para usuários ou ganhos em termos de eficiência e modernização, e se o modelo regulatório e empresarial de telecom no Brasil estará apto para evitar crises similares no futuro

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