A Interdição do “Buraco do Neymar”: Como o Uso Indevido Transformou um Paraíso Natural em Área Restrita
O impacto do turismo descontrolado nas piscinas naturais de Fernando de Noronha e o papel do ICMBio na preservação ambiental
Fernando de Noronha é considerado um dos destinos mais deslumbrantes do Brasil e do mundo. Conjugando riqueza ecológica, paisagens de tirar o fôlego e uma vida marinha vibrante, o arquipélago recebe visitantes em busca de experiências únicas – desde mergulhos com tartarugas e golfinhos até trilhas ecológicas em meio à vegetação preservada. Porém, como ocorre em todos os lugares que despertam intensa curiosidade turística, o impacto humano também se faz presente, muitas vezes ultrapassando os limites do sustentável.
Foi nesse contexto que o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) anunciou a interdição por tempo indeterminado de duas piscinas naturais do arquipélago, incluindo a que ficou mundialmente conhecida como “buraco do Neymar”. A decisão se baseia no uso inadequado dos locais, nas mudanças comportamentais geradas pelo crescimento das visitas e na necessidade urgente de proteger formações que levam milhares de anos para se formar.
A fama da piscina natural — localizada na praia dos Cachorros — cresceu abruptamente em 2018, depois que o jogador Neymar publicou uma foto ao lado da atriz Bruna Marquezine no local. De um paraíso discreto, a pequena cavidade rochosa tornou-se um ponto turístico superlotado, pressionando ecossistemas frágeis e criando desafios inéditos para a gestão ambiental.
Este artigo detalha por que a interdição foi necessária, quais impactos o turismo desordenado provocou, a importância científica e ecológica dessas piscinas naturais, além de discutir a relação entre redes sociais, fenômenos midiáticos e preservação ambiental. Também explora os riscos que ameaçam Noronha e como o arquipélago pode encontrar um equilíbrio entre a visitação e a conservação.

A importância da gestão ambiental num dos santuários naturais mais sensíveis do planeta
Para compreender a decisão de interditar duas piscinas naturais — incluindo o “buraco do Neymar” — é essencial entender a atuação do ICMBio. Criado para gerir as unidades de conservação federais, o Instituto tem a responsabilidade de equilibrar a visitação humana com a preservação dos ecossistemas.
Fernando de Noronha é uma Área de Proteção Ambiental (APA) e também abriga o Parque Nacional Marinho, o que significa que a presença humana precisa ser cuidadosamente controlada. A região tem espécies endêmicas, formações rochosas únicas, áreas de desova de tartarugas e águas cristalinas de importância global.
O problema do turismo crescente
Nos últimos anos, especialmente após o crescimento das redes sociais, Noronha tornou-se um destino aspiracional. A busca pelo “cenário perfeito” leva turistas a se arriscarem — e a arriscarem o meio ambiente — em locais com estrutura sensível.
O aumento de visitas a determinados pontos, mesmo que de forma espontânea ou não autorizada, pode causar:
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compactação do solo
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quebra de estruturas rochosas
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destruição de formações naturais
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alteração de habitats
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poluição por resíduos
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mudança no comportamento de animais silvestres
No caso das piscinas interditadas, o ICMBio identificou que o uso se tornou incompatível com sua preservação.
Como o “Buraco do Neymar” Virou Atração: A Força da Cultura de Redes Sociais
A formação natural era pouco conhecida por turistas até 2018. Embora moradores e visitantes frequentes soubessem da existência da pequena piscina entre as rochas, ela não possuía fluxo intenso.
Tudo mudou quando Neymar e Bruna Marquezine posaram nela durante uma viagem romântica ao arquipélago. A imagem viralizou no Instagram, atraindo milhões de curtidas e repercussões.

O efeito “Instagramável”
Hoje, cenários que viralizam tornam-se destinos imediatos. É a chamada “economia da estética digital”, em que:
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um local atraente ganha fama instantaneamente
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visitantes planejam viagens com base em fotos
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lugares pequenos recebem fluxo muito maior do que podem suportar
No caso do “buraco do Neymar”, a formação natural é minúscula. Trata-se de uma piscina de rocha, alimentada pela água do mar durante as marés altas e localizada em uma região estreita e de difícil acesso. Seu tamanho não comporta dezenas de pessoas tentando tirar fotos simultaneamente.
O resultado foi devastador para o local:
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rachaduras provocadas por pisoteio
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deslocamento de lajes naturais
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acúmulo de protetor solar na água
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aumento do risco de acidentes
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interferência no ecossistema costeiro
O que era um local de contemplação tornou-se uma espécie de “cenário disputado”.
Os impactos invisíveis que ameaçam a integridade geológica e ecológica da região
A decisão do ICMBio não surgiu de forma repentina. Pesquisadores, gestores e moradores vinham alertando sobre o uso indevido de certas áreas de Noronha havia anos. O aumento exponencial de visitantes em locais não estruturados gerou impactos sérios.
A seguir, detalhamos os principais motivos apontados pelo Instituto:
1. Fragilidade das formações rochosas
As piscinas naturais são formadas por erosão de rochas vulcânicas ao longo de milhares — ou milhões — de anos. Essas rochas podem parecer sólidas, mas seus compostos são frágeis e quebradiços.
O pisoteio humano repetido:
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acelera a erosão
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quebra bordas naturais
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muda a profundidade da piscina
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destrói micro-habitats
2. Acúmulo de protetor solar e cosméticos
Turistas entram na piscina após passar creme corporal, repelente ou protetor solar. Substâncias como oxibenzona e octinoxato prejudicam:
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corais
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algas
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microcrustáceos
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peixes pequenos
Mesmo em pequenas quantidades, esses compostos são tóxicos.
3. Aumento do risco de acidentes
As rochas escorregadias, somadas à tentativa de fazer fotos perfeitas, criaram um ambiente de risco. Houve relatos de:
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quedas
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escoriações
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torções
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arrasto por ondas
O ICMBio também precisa garantir a segurança dos visitantes.
4. Desrespeito às normas ambientais
Apesar de sinalizações e orientações de guias, muitos turistas continuavam acessando áreas restritas por conta própria. O comportamento reativo — algo como “quero só uma foto rápida” — prejudica toda a cadeia de conservação.
5. Pressão além do suportável
Piscinas naturais não têm capacidade ilimitada. Toda vez que uma pessoa entra nelas:
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mexe no sedimento
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altera a temperatura da água
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movimenta organismos marinhos
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acrescenta poluentes
Quando centenas passam por lá todos os dias, o impacto se torna irreversível.
Entendendo a função ecológica desses locais tão delicados
A interdição envolveu duas piscinas naturais:
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o “buraco do Neymar”, na praia dos Cachorros
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outra formação próxima, igualmente sensível
Essas piscinas não são apenas bonitas — têm importância para:
• Microecossistemas marinhos
Elas abrigam:
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pequenos peixes
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algas
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crustáceos
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ouriços
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organismos filtradores
Tudo isso contribui para o equilíbrio ecológico da região costeira.
• Formação geológica única
As rochas vulcânicas de Noronha contam parte da história geológica do Brasil e do Oceano Atlântico.
• Proteção natural contra erosão
Essas piscinas atuam como barreiras naturais. Quando são danificadas, a costa se torna mais vulnerável.
Como encontrar equilíbrio entre desfrutar e proteger um patrimônio natural
O caso do “buraco do Neymar” reacende um debate complexo: como permitir que o público conheça lugares especiais sem destruí-los?
Especialistas apontam alguns caminhos:
1. Estabelecer capacidade máxima de carga
Assim como ocorre em trilhas do Parque Nacional, piscinas naturais poderiam ter:
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número limitado de visitantes por dia
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controle por agendamento
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monitoramento constante
2. Regras rígidas sobre uso
Como:
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sem protetor solar
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sem entrar com objetos
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sem contato prolongado com a água
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apenas observação, sem banho
3. Monitoramento científico contínuo
A cada temporada, medir:
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erosão
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temperatura da água
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presença de vida marinha
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qualidade estrutural das rochas
4. Campanhas de educação ambiental
O visitante precisa entender por que não pode acessar certas áreas.
Como uma única foto pode mudar a dinâmica ambiental de um local

Ao postar a foto em 2018, Neymar não tinha como prever o impacto que causaria. Mas este episódio levanta questões importantes:
• Celebridades têm responsabilidade ambiental ampliada?
Um post pode:
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transformar um lugar desconhecido em ponto turístico
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atrair multidões
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levar a exploração comercial indevida
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provocar danos não planejados
• O público precisa aprender a consumir conteúdo com responsabilidade
“Se o artista foi lá, eu também posso” — esse é o pensamento de muitos turistas.
Mas um cenário exibido em uma foto não necessariamente está preparado para receber milhares de visitantes.
Como Ficam os Turistas Após a Interdição?
Com a interdição:
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guias deixam de oferecer o local nos roteiros
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turistas devem respeitar as barreiras instaladas
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o acesso irregular passa a gerar multas
Para alguns, a notícia causa frustração. Porém, a medida é vista por especialistas como necessária e urgente.
A interdição é uma mensagem de que a natureza não pode ser sacrificada em troca de “conteúdo” para redes sociais.
Como o comportamento digital molda o turismo moderno
Cada vez mais, turistas escolhem destinos para “postar” — e não necessariamente para “viver”. A pressão por fotos rende:
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filas para registrar imagens
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acessos irregulares
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invasão de áreas frágeis
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disputa por ângulos específicos
Este fenômeno global já prejudicou lugares como:
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Antelope Canyon (EUA)
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Ilha de Phi Phi (Tailândia)
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Lagoa Azul da Islândia
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Grutas italianas e gregas
O “buraco do Neymar” tornou-se mais um caso representativo deste dilema contemporâneo.
O Que Pode Acontecer no Futuro?
O ICMBio deve avaliar:
• Recuperação natural das rochas
Processos que podem levar anos.
• Reestruturação das normas de visitação
Para permitir acesso seguro e ambientalmente responsável.
• Criação de novas rotinas de fiscalização
Com vigilância ampliada e tecnologia.
• Definição de pontos alternativos para turistas
De forma a distribuir melhor o fluxo.
Conclusão
A interdição das piscinas naturais, incluindo o famoso “buraco do Neymar”, marca mais um capítulo na longa história de conflitos entre turismo e preservação ambiental. O caso não é isolado — é símbolo de um fenômeno global influenciado pela cultura das redes sociais, pela busca da foto perfeita e pela falta de compreensão sobre o impacto individual no meio ambiente.
Fernando de Noronha é um dos lugares mais sensíveis do planeta, e preservar suas formações naturais é obrigação coletiva. O ICMBio agiu dentro de sua missão: garantir que as próximas gerações ainda possam contemplar a beleza do arquipélago — mesmo que isso signifique restringir usos no presente.
A reabertura futura dependerá do comprometimento de todos: gestores, moradores, guias, celebridades e, principalmente, turistas.






