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O cromossomo Y pode desaparecer no futuro? O que a ciência diz sobre o encolhimento do cromossomo masculino

Cientistas investigam a lenta degradação do cromossomo Y humano — e o que isso pode significar para o futuro da espécie e da diferenciação sexual.

O DNA humano guarda muitos mistérios sobre nossa origem e futuro. Entre as curiosidades genéticas mais intrigantes está o destino do cromossomo Y, responsável por determinar o sexo masculino em grande parte dos mamíferos.
Pesquisas sugerem que esse pequeno cromossomo está encolhendo há milhões de anos — e alguns cientistas acreditam que ele pode desaparecer completamente em um futuro distante.

Atualmente, o Y é três vezes menor que o cromossomo X e contém apenas 106 genes codificadores de proteínas, em contraste com os cerca de 900 genes presentes no X. Apesar de seu tamanho reduzido, o Y ainda carrega genes fundamentais, como o SRY, que inicia o desenvolvimento dos testículos e, consequentemente, do sexo masculino.

Mas se o Y está diminuindo, o que isso significa para o futuro da humanidade? Será que os homens estão com os dias contados?

Desaparecimento do cromossomo Y pode não ser o fim dos homens

A origem e a evolução dos cromossomos sexuais

Para compreender o possível desaparecimento do cromossomo Y, é importante voltar no tempo e entender como os cromossomos sexuais surgiram.

Há cerca de 300 milhões de anos, os cromossomos X e Y eram praticamente idênticos. Eles continham o mesmo número de genes e podiam trocar material genético entre si durante a meiose, o processo que forma os gametas (óvulos e espermatozoides).

Com o passar do tempo, o Y começou a se diferenciar, adquirindo funções específicas relacionadas ao sexo masculino, especialmente com o surgimento do gene SRY (Sex-determining Region Y). Esse gene é o “gatilho” biológico que direciona o embrião a desenvolver testículos em vez de ovários.

Entretanto, ao se especializar, o cromossomo Y perdeu a capacidade de recombinar com o X em muitas regiões. Essa falta de recombinação o tornou geneticamente isolado, e esse isolamento é a principal razão para sua degradação.

Por que o cromossomo Y está encolhendo?

Durante a meiose, os cromossomos costumam trocar segmentos de DNA entre si — um processo chamado recombinação genética. Essa troca é essencial para eliminar mutações e manter os genes saudáveis.

No entanto, como o Y não possui um par idêntico com o qual possa recombinar (o X é muito diferente dele), ele não consegue corrigir seus próprios erros genéticos. Isso o deixa vulnerável à acumulação de mutações prejudiciais, que ao longo de milhões de anos resultam na perda gradual de genes.

A pesquisadora Jennifer Hughes, do Instituto Whitehead de Pesquisa Biomédica, explicou à BBC News:

“O Y ficou exposto a forças degenerativas, por isso temos o que temos hoje.”

Essa degradação lenta mas contínua levou o cromossomo Y de um tamanho equivalente ao X para apenas um terço de sua dimensão atual.

O que ainda resta no cromossomo Y?

Apesar do encolhimento drástico, o cromossomo Y ainda é funcional e possui genes essenciais para a fertilidade e o desenvolvimento sexual masculino.

Entre os principais genes, destacam-se:

  • SRY – Responsável por iniciar o desenvolvimento dos testículos.

  • DAZ – Envolvido na produção de espermatozoides.

  • TSPY – Importante para o crescimento das células germinativas masculinas.

  • USP9Y – Atua na diferenciação testicular e na manutenção da fertilidade.

Esses genes formam o núcleo funcional do Y e são altamente preservados evolutivamente. A presença de regiões palindrômicas (sequências de DNA que se “espelham”) também ajuda o Y a se autorreparar, compensando parcialmente sua falta de recombinação.

O cromossomo Y realmente vai desaparecer?

Aqui, a comunidade científica se divide.

Alguns pesquisadores acreditam que o Y está condenado. Com base em modelos de degradação genética, eles estimam que o cromossomo pode desaparecer em cerca de 4,6 milhões de anos — o que, embora pareça muito tempo, é curto em termos evolutivos.

No entanto, outros especialistas argumentam o contrário. Estudos mostram que o Y perdeu apenas um gene nos últimos 25 milhões de anos, sugerindo que o processo de degradação está desacelerando ou até parou completamente.

De acordo com a geneticista australiana Jenny Graves, uma das principais pesquisadoras do tema, o Y pode estar se estabilizando, graças a mecanismos internos de reparo e à seleção natural que mantém seus genes vitais.

Em resumo, o Y está em uma corrida contra o tempo: se continuar se deteriorando, desaparecerá; se mantiver a estabilidade atual, pode sobreviver indefinidamente.

O que aconteceria se o Y desaparecesse?

Mesmo que o cromossomo Y desapareça no futuro, isso não significaria o fim dos homens. O sexo masculino não depende exclusivamente do Y, mas sim da ativação de certos genes, especialmente o SRY, que inicia a formação dos testículos.

Outros genes, como o SOX9, também podem desempenhar esse papel. Na ausência do Y, eles poderiam assumir a função do SRY, desencadeando o desenvolvimento masculino.

Essa substituição já foi observada na natureza: o rato-espinhoso de Amami (Tokudaia osimensis), encontrado no Japão, não possui o cromossomo Y, mas ainda apresenta machos funcionais. Nessa espécie, o gene SOX9 passou a exercer o papel do SRY.

Em outras palavras, a evolução pode encontrar caminhos alternativos para manter a diferenciação sexual, mesmo sem o Y.

O tempo da evolução: milhões de anos de mudança

Mesmo se o desaparecimento do cromossomo Y fosse inevitável, isso aconteceria em escala de milhões de anos — um intervalo de tempo muito maior do que a existência da civilização humana.

Para comparação:

  • A espécie Homo sapiens surgiu há cerca de 300 mil anos;

  • O cromossomo Y, caso esteja realmente desaparecendo, levaria cerca de 4,6 milhões de anos para sumir completamente.

Ou seja, qualquer mudança significativa nesse sentido ocorreria muito além do alcance da história humana atual.

O papel do cromossomo Y na saúde e na fertilidade

Além da determinação do sexo, o cromossomo Y também influencia a saúde masculina e a fertilidade. Estudos mostram que a perda de partes do Y em células somáticas está associada a envelhecimento, doenças cardíacas e maior risco de câncer em homens idosos.

Essa condição, chamada mosaicismo de perda do Y, ocorre quando algumas células do corpo perdem o cromossomo ao longo da vida. Estima-se que até 20% dos homens com mais de 80 anos apresentem essa característica em parte de suas células.

Isso demonstra que, embora pequeno, o Y continua desempenhando funções vitais e ainda é um campo fértil de pesquisa biomédica.

O cromossomo Y e a evolução de outras espécies

O destino do Y humano não é único — fenômenos semelhantes já ocorreram em outras espécies de mamíferos.
Além do rato-espinhoso de Amami, existem outros exemplos de espécies sem o cromossomo Y que mantêm machos férteis, como certos roedores da Europa Oriental.

Nesses casos, o papel do SRY foi transferido para outro cromossomo, mostrando a plasticidade da evolução genética.
Isso indica que a natureza tende a preservar a diferenciação sexual, mesmo quando um cromossomo inteiro desaparece.

A ciência continua observando o Y

Atualmente, pesquisadores utilizam técnicas de sequenciamento genético avançadas para estudar a estrutura e a função do cromossomo Y. Projetos como o Y Chromosome Consortium vêm mapeando variações genéticas entre populações humanas para entender melhor sua evolução.

Esses estudos não só ajudam a decifrar o futuro do Y, mas também fornecem pistas sobre ancestralidade, migração e reprodução humana. O Y, por ser transmitido quase exclusivamente de pai para filho, funciona como uma espécie de “relógio evolutivo masculino”, permitindo rastrear linhagens paternas por milhares de anos.

Conclusão: o Y pode encolher, mas a evolução sempre se adapta

O possível desaparecimento do cromossomo Y é um dos temas mais fascinantes da genética moderna. Embora exista evidência de sua degradação ao longo do tempo, também há indícios de que ele desenvolveu mecanismos para se proteger e permanecer estável.

Mesmo que, em um futuro longínquo, o Y venha a desaparecer, a natureza provavelmente encontrará novos caminhos para a diferenciação sexual. Genes como o SOX9 poderiam assumir o papel do SRY, garantindo a continuidade da reprodução sexuada entre os humanos.

Em última análise, o estudo do cromossomo Y nos ensina algo profundo sobre a evolução: a vida é adaptável. Mesmo diante da perda, a biologia encontra formas de continuar — e o que hoje parece um risco pode, no futuro, representar apenas mais uma transformação natural da espécie humana.


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